sexta-feira, 22 de novembro de 2013

SANTA CRUZ DE LA SIERRA - BOLÍVIA

Chegamos a Santa Cruz de La Sierra em uma tarde de sábado. Fazia por volta de 30 graus. De cara, já dá para perceber que se trata de uma cidade agitada, com comércio intenso e trânsito um tanto caótico. Buzina-se com ou sem motivo. Acho que é um lugar interessante para começar a jornada boliviana, pois as tradições locais ficam bastante evidentes nas ruas, nas vestimentas, nas comidas e nas músicas. É muita informação chegando ao mesmo tempo e isso gera um impacto inevitável. 

Além disso, quem pretende ir a La Paz pode ir se ambientando aos poucos com as condições de temperatura, altitude e pressão. Se for direto às cidades mais altas e frias da Bolívia, a probabilidade de passar mal é maior do que se optar por um processo gradual. Por isso, iniciar o passeio por Santa Cruz pode ser uma boa opção para os viajantes. 

Meu marido e eu ficamos hospedados no Residencial 7 de Mayo (Av. Brasil, em frente ao Terminal Bimodal). A ideia era ir no esquema de mochileiros mesmo, andando muito e gastando pouco. Nosso quarto era bastante simples e contava com um inconveniente cheiro de cigarro, mas a localização do hotel é excelente.

A alimentação renderia um capítulo à parte. Falaram tanto para que a gente tomasse cuidado com a qualidade da água e da comida que ficamos desconfiados de tudo. Era difícil encontrar um lugar seguro para almoçar. Suco no balde, frango frito na calçada, pães expostos às moscas, cachorros andando por todo canto. A higiene não é bem o ponto forte do lugar. 

Passamos o dia inteiro à base de biscoitos e sucos industrializados e à noite estávamos morrendo de fome! Quem quiser cometer uma pequena extravagância, sugiro o restaurante Michelangelo (Chuquisaca, 502). É um pouco caro para os padrões locais, mas tem vários pratos típicos no cardápio e é tudo uma delícia.

Com o tempo, você aprende a achar o melhor custo/benefício. As lanchonetes ao redor da praça 24 de Setembro, por exemplo, são alternativas boas e econômicas. Ali é também um local para passar o fim de tarde. Por 3 bolivianos, dá para subir em um mirante na torre da catedral, que oferece uma vista geral da praça (foto ao lado). 

Apesar de o nosso hotel ter sido bem perto da rodoviária para facilitar a locomoção, o terminal estava fechado por causa do feriado do Dia del Peatón. Nossa intenção era seguir para Vallegrande, para dar início à Rota do Che. Então, pegamos um ônibus na Plazuelo Oruro (Av. Roque Aguilera com Av. Grigotá). Se precisar fazer o mesmo, aproveite para almoçar no restaurante Sakura, bem em frente. Um prato clássico de "pollo, papas fritas y arroz" sai a 12 bolivianos.

Um dia em Santa Cruz é o suficiente para conhecer tudo o que precisa.

Gastos:

Hostel (quarto casal): 80 bolivianos
Táxi aeroporto-centro: 60 bolivianos

VALLEGRANDE - BOLÍVIA

Museo del Che
O percurso para Vallegrande dura seis horas e custa 35 bolivianos a passagem. Acredito que seja melhor viajar à noite e aproveitar para dormir, mas a vantagem do dia é que dá para curtir mais a paisagem. As estradas são de terra, meio esburacadas, rodeiam montanhas, passando por pequenas vilas e muitos penhascos. Ignore o perigo, relaxe e lembre-se: Bolívia é para os fortes! 

Ficamos no Hostel Vodkal, em frente à praça principal. O quarto tem cama de casal, TV, banheiro privativo e é bem mais aconchegante do que o outro que vimos em Santa Cruz (e ainda tem água quente). O preço ficou em 90 bolivianos.
Lavanderia do Hospital Señor de Malta

Visite o museu da Casa de Cultura. Tem uma parte destinada à Arqueologia, mas o que mais chama a atenção é a área em homenagem ao guerrilheiro Che Guevara. O local abre às 10h e reúne muitas fotos e objetos da época. Provavelmente, você vai conhecer o guia Gonzalo. Ele nos levou até o mausoléu de Che e seus companheiros e também à lavanderia do hospital Señor de Malta, onde os corpos deles foram expostos à comunidade pelos militares (naquela foto clássica). Saiu tudo por um preço de 80 bolivianos para nós dois.

Depois disso, dei início a um dos pontos altos dessa empreitada. Separei um tempo para conversar com Susana Osinaga, a enfermeira responsável por receber o corpo de Che ao chegar em Vallegrande. Ela tem uma pequena mercearia a poucos metros do hospital em que trabalhava. É uma senhora de quase oitenta anos e, apesar de estar com a saúde bem debilitada, ela lembra com detalhes de como tudo aconteceu.
Susana Osinaga

Fiquei muito tocada com os relatos. É simplesmente um dos capítulos mais importantes da história latinoamericana passando bem debaixo do nosso nariz. Todos que viveram ali no fim dos anos 1960 têm lembranças muito fortes da época e fazem questão de dividir isso com os visitantes. Só para explicar: Che foi capturado e morto em La Higuera (da qual vou falar mais tarde). Depois, os militares levaram-no para Vallegrande, onde ficou enterrado, em segredo, durante 30 anos até ser encontrado por um grupo de pesquisadores cubanos. Essa cidade foi, sem dúvida, uma das partes mais interessantes da viagem.

Almoçamos em um restaurante chinês em frente à praça 26 de enero (prato básico: 15 bolivianos) e a janta
Mausoléu
foi na lanchonete "Las Colinas", também lá perto. Serve pizzas e hambúrgueres e o preço ficou em 63 bolivianos para duas pessoas. Detalhe importante:  é bem limpinha.

Se for seguir para La Higuera, sugiro contratar os serviços do motorista e guia Santos Aguilar (contato: 7366-5987). É uma figura incrível: o tipo de gente que vale a pena conhecer. Muito simpático, fala pelos cotovelos e é um aficionado pela história de Che. Encontramos com ele, por acaso, na rua Señor de Malta, onde ficam estacionados os caminhões que fazem esse trajeto. Ele tem um táxi e vai parando no caminho para explicar cada detalhe. Dica para enfrentar a viagem: leve comida e água. Provavelmente, não terá nenhum restaurante ou mercado na estrada. Mas não coma muito. O chacoalhar do carro nos buracos pode te deixar enjoado(a).

Algo que partiu meu coração foi ter ido a Vallegrande em setembro e não em outubro, quando geralmente tem uma extensa programação em homenagem ao Che. E, a cada dez anos, tem um encontro mundial 
(o próximo será em 2017), com cinco dias de atividades, que reúne estudiosos e autoridades para discutir o legado dele. Quem sabe eu volte lá daqui a uns anos? Talvez...

LA HIGUERA, PUCARÁ E VILLA SERRANO - BOLÍVIA


O simpático guia Santos Aguilar
Nos trajetos de táxi, tente pechinchar sempre que possível. É comum colocarem um preço mais alto para os estrangeiros. Para La Higuera, fizemos uma rápida pesquisa. O valor inicial era de 300 bolivianos (para duas pessoas, ida e volta) e fechamos em 220, com o Santos. A diferença, em relação aos outros guias, é que ele pode contar as histórias a partir daquilo que viu e viveu. A família de Santos mora na Quebrada del Churro, região onde os guerrilheiros ficaram escondidos em 1967. Conheci o pai dele, Florencio, que conta ter ouvido a troca de tiros com os militares e presenciado a consequente prisão de Che naquele ano. Ele guarda uma pistola argentina calibre 22, que diz ter encontrado escondida no local exato em que Guevara foi capturado.


Entre rápidas paradas, fotos e conversas, o percurso entre Vallegrande e La Higuera (60 quilômetros) durou 4 horas. A estrada é realmente precária. Tem que ser meio louco, como nós, para encarar tudo isso. Mas reitero ter sido a etapa mais proveitosa dos dez dias que passei na Bolívia. Conheci pessoas extremamente interessantes, com muito a dizer e a ensinar.


A comunidade é paupérrima, com meia dúzia de casebres. O Museu do Che é pequeno e funciona na escola onde ele foi executado. De original da época, apenas uma porta e alguns bancos. O resto é formado por fotos e bilhetinhos que turistas do mundo inteiro deixam ao passarem por lá. De maneira geral, tem bem menos atrações do que Vallegrande.

Na volta, o guia nos levou para almoçar na casa de uma amiga em uma cidadezinha próxima, chamada Pucará. Não encontramos nenhum restaurante nas redondezas. Embora estivesse com fome, comi mais por educação do que por vontade. O prato não era dos mais apetitosos. Recorri, depois, aos biscoitos que tinha na mochila.

Ficamos um tempo em Pucará até conseguirmos pegar um ônibus para Sucre. O meu grande erro ao
Pucará
programar a viagem foi achar que existiam ônibus de todos os lugares para todos os outros lugares do país. Ledo engano. La Higuera é um povoado minúsculo, não teria um terminal nem em sonho. Tivemos que fazer o trajeto em pedaços. Primeiro, o trecho Pucará - Villa Serrano (35 bolivianos a passagem). O ônibus sai da praça às 16h e chega ao destino umas 21h. Dormimos no Hotel Tierra e cedinho, às 7h, seguimos para Sucre (25 bolivianos). Chegamos lá às 11h30. Acredito que haja outras formas de fazer esse mesmo trajeto, mas, para nós, foi a melhor opção naquele momento.

Esse tipo de viagem sempre rende boas histórias. Já dividimos ônibus com uma criança chorando a noite toda (até aí, normal), além de um cachorro e uma galinha entre os passageiros. Tudo isso embalado por uma música típica, que tocava em alto e bom som, o que deixava a situação ainda mais pitoresca.

SUCRE - BOLÍVIA

Sucre, perto do que tínhamos visto até então, é uma metrópole! Já tem uma programação noturna mais agitada, com bares, restaurantes e shows. Um bom passeio é caminhar pelo centro histórico e observar a arquitetura colonial. Essa área foi declarada pela Unesco como patrimônio da humanidade, em 1991. Notei que todas as cidades pelas quais passamos têm uma praça como principal referência. Em Sucre, não seria diferente. Ao redor da Plaza 25 de Mayo, tem ótimos lugares para passear.

Para quem se interessa pelo tema, um local interessante para conhecer também é o Museu de Arte Indígena (esquina das ruas San Alberto e Potosí), com destaque para a exposição de tecidos e instrumentos musicais típicos. Quando fomos, tinha uma chola fazendo demonstração da complexa confecção dos tecidos tradicionais bolivianos. Lindos! Aliás, fiquei encantada com a figura das cholas, que são as maiores representantes da resistência indígena feminina. O visual colorido, a força do olhar e o empenho em manter viva a cultura nativa são realmente impressionantes.

Algo que vale a pena visitar é a montanha de Cal Orko, que fica a 5 quilômetros da cidade. Lá, tem o maior conjunto de pegadas de dinossauro do mundo! Ao lado, há um parque onde guias explicam, brevemente, sobre como as pegadas foram formadas. Como sou curiosa e me interesso por tudo o que é diferente, gostei bastante da aulinha de Paleontologia. Os ônibus para o parque saem de frente à Catedral em três horários: 9h, 12h e 14h30. O transporte custa 20 bolivianos e o ingresso, 30.

Para almoçar, conheça o restaurante El Huerto (Ladislao Cabrera, 86). Há quem diga que é o melhor da cidade. Um pouco caro para os padrões locais, mas para quem se acostumou aos preços de Brasília, é tranquilo. Achei tudo muito bom e você come em um pátio bonito e ensolarado. Até esse momento, eu tinha passado tanta fome que, sinceramente, El Huerto parecia um oásis. Valeu cada centavo.

À noite, vá ao Bibliocafé (N. Ortiz, 50), um barzinho que toca muito rock, à meia luz, e serve uns aperitivos deliciosos. Sugiro uma porção de nachos com molho bolognesa ou de queijo (10 bolivianos) e um mojito para acompanhar (18 bolivianos).

LA PAZ - BOLÍVIA

De Sucre a La Paz, fomos pela empresa El Dorado, em um ônibus super confortável do tipo leito (eles chamam de bus cama), com aquecedor, TV e poltronas reclináveis. Mas, por mais "chique" que seja, o banheiro continua sendo o mesmo: a moitinha mais próxima (isso quando o motorista achar conveniente parar). Foram longas 12 horas de viagem. A passagem custa 130 bolivianos.

Quanto à alimentação, a rodoviária, por incrível que pareça, tem bons desayunos. Porém, para almoçar, nessa altura da viagem, já não aguentava mais ver frango na minha frente! É pollo com arroz, com batata, pollo no sanduíche, sopa de pollo... cheguei a ver até pipoca de pollo 

Para passear, o "Museo de La Coca" (13 bolivianos) é bastante instrutivo e rico. Dá para aproveitar e almoçar ao lado, no Pot Restaurante, um ambiente rústico e bonito, todo em madeira. Se quiser comprar lembrancinhas, é uma boa andar pela calle Linares, que tem uma grande diversidade de artesanatos. O hostel El Solario, onde nos hospedamos, fica perto. O quarto é simples, mas funcional, tem wi fi e custou 60 bolivianos (diária do casal).

Fomos ao mirante Killi Killi, que exige uma dose extra de fôlego para subir, mas oferece uma bela vista da
Rua Jaen
cidade, com seus incontáveis casebres e morros ao fundo. Outra dica é passear pela rua Jaen. Ela lembra um pouco o bairro La Boca, em Buenos Aires. Tem várias casas e museus coloridos. Tive o azar de ir no domingo e quase todos estavam fechados.

A praça Murillo abriga o Palácio Presidencial, a catedral e, na esquina, o Museu Nacional de Arte. Vi uma ótima exposição de artistas bolivianos sobre a quinua, um tipo de grão nutritivo e muito consumido pelas comunidades andinas. A igreja de Santo Domingo também chama a atenção, por misturar elementos arquitetônicos barrocos e indígenas.

Os táxis são baratos em toda a Bolívia. Se estiver com bagagem pesada, é sempre a melhor opção. Os trechos não muito longos custam, em média, 10 bolivianos (4 reais). O ideal é combinar o preço antes de sair, para evitar surpresas. Em La Paz e Sucre, eles passam o tempo todo, um atrás do outro.    

COPACABANA - BOLÍVIA

Eu a-do-rei Copacabana! Dá para comprar as passagens diretamente em uma agência no terminal rodoviário de La Paz (por 70 bolivianos ida e volta) ou, como no nosso caso, adquirir os tíquetes no próprio hostel. O ônibus pega os turistas na porta. Nossa ida foi muito rápida, pois já era o último dia de viagem. Passamos apenas algumas horas por lá. Saímos de La Paz às 8h e chegamos de volta às 17h. Mas, no passeio mais completo, o ônibus volta às 22h30.  Quem tiver mais tempo pode fechar um pacote com passagem, guia, almoço e passeios pelas ilhas do Sol e da Lua. Tudo sai por 300 bolivianos. Vale a pena conhecer as ruínas incas no local.

Mas, mesmo vendo superficialmente, é impossível não se encantar com a cidade! O imenso e incrível lago Titicaca dá um charme todo especial. São três horas e meia de viagem pela estrada e depois atravessamos uma parte de balsa (2 bolivianos a tarifa). Mesmo estando longe do litoral, o lago incrivelmente azul dá um clima praiano ao lugar. O povo é meio alternativo e vi mais gringos do que nativos. Tem uma cara totalmente diferente das outras cidades: sem trânsito, sem buzinas, sem tumulto. Só calmaria e uma vista espetacular.

Essa foi a última parada para nós. Depois, retornamos a La Paz e, de lá, para Santa Cruz de La Sierra, onde pegamos um voo de volta a Brasília, com conexões em Assunção e São Paulo. Assim, termina essa deliciosa passagem pelas terras bolivianas. Um passeio mais do que recomendado!